terça-feira, 12 de maio de 2015

FILOSOFAR......

Uma introdução à Filosofia, exige longa pesquisa de suas raízes nas coordenadas da evolução humana: o tempo e o pensamento. A História da Filosofia é um continuum, que nasce da primeira indagação do homem sobre a Natureza e depois sobre a vida e sobre ele mesmo. Da Magia à Religião e desta à Filosofia o pensamento se desenrola numa seqüência ininterrupta de formulações pessoais que se encadeiam em processo dialético. Não existe a seqüência tantas vezes apresentada de Magia-Religião-Ciência-Filosofia. O que realmente existe é um paralelismo de ação mental que parte da primeira tomada de consciência do mundo pelo homem. Na primeira paralela temos a seqüência Magia-Religião, que se desenvolve no plano da afetividade. Na segunda paralela temos a seqüência Experiência-Ciência-Filosofia, que se desenvolve no plano da razão. Entre as duas, interligando o fluido do sentimento e da razão, temos a faixa de terra da práxis, onde o homem opera desenvolvendo a sua capacidade de manusear as coisas e os seres. Desse manuseio nasce o complexo do Conhecimento, delta em que vão desaguar as correntes paralelas para a fusão que dará forma ao dualismo Cultura-Civilização.
Kercheinsteiner, caracterizou com clareza os dois elementos desse complexo com sua teoria da Cultura Subjetiva e Cultura Objetiva. A primeira é o acúmulo de conhecimentos abstratos de um aglomerado social isolado por contingências geográficas. A segunda é o acervo de obras materiais produzido por esse aglomerado. O desenvolvimento da técnica vai superando no tempo as distâncias dos aglomerados humanos e promovendo as aproximações que determinam a fusão das culturas isoladas num sistema cultural único, já em vias de conclusão em nosso tempo.
Ernst Cassirer mostrou como as culturas desaparecidas concentram-se nas obras materiais que produziram, das quais renascem ao toque de novas culturas, como aconteceu no Renas-cimento. Os resíduos válidos de antigas e superadas culturas são então incorporados a novos sistemas culturais. A seqüência aparentemente interrompida se restabelece e a acumulação cultural se agiganta, gerando a Tragédia da Cultura, pois o enorme acervo transcende a capacidade de assimilação da mente humana e determina a fragmentação das especializações. Arnold Toynbee assinalou a relação entre Religião e Civilização, que se caracteriza no desenvolvimento dos ciclos culturais. A teoria dos ciclos vem de longe e teve grande voga entre os gregos. Cada ciclo é uma fase do desenvolvimento cultural, que se encerra para dar início a outro. Do ciclo das Civilizações Agrárias surgiu o ciclo gigantesco das Civilizações Orientais, massivas e teocráticas, que se fechou na Pérsia, projetando as suas conquistas na Grécia, onde surgiram as civilizações antípodas de Esparta e Atenas. Roma herdou e desenvolveu ao máximo espólio espartano, em mistura com o florescimento da democracia ateniense, tipicamente filosófica. Plotino deu seqüência ao platonismo e tentou realizar a campanha italiana do sonho da República de Platão. Mas o ciclo da civilização greco-romana chegava ao fim. Duas novas civilizações lutavam para definir-se asfixiadas pelo poder romano: a Judaica, na Ásia, e a Celta, na Europa.
Foi então que surgiu a Síntese Cristã, infiltrando-se na Europa com seus princípios renovadores, minando o Império Romano em suas bases e encontrando ressonância na Cultura Celta, dominante nas Gálias. O Cristianismo iniciava um novo ciclo, que iria desenvolver-se penosa mas rapidamente, graças à dinâmica social dos seus princípios. O esplendor da Filosofia Grega deixaria na sombra os princípios do Celtismo. Mas Aristóteles já havia advertido que os celtas eram o único povo filósofo do mundo. Dois milênios passariam na estruturação dos primórdios da Civilização Cristã, impregnada de resíduos greco-romanos e judeus. Mas as sementes do Druidismo, religião dos celtas, aguardavam no chão da Europa o momento propício à sua germinação. Coube a Allan Kardec, um nome druida,  revelar a sintonia celta-cristã e anunciar o nascimento de um novo ciclo. Rejeitado pela cultura dominante, como fora Cristo em se tempo, Kardec enfrentou os poderes da época e proclamou o advento da Era Espírita. Elaborou os seus fundamentos, apoiado nas bases tríplices da Ciência, da Filosofia e da Religião. A Filosofia Espírita definiu-se como o fulcro de um novo ciclo da evolução humana. Não se trata de um fato ocasional ou isolado, mas do resultado de todo o processo histórico do pensamento, ou da razão, como queria Hegel, em seu desenrolar na temporalidade.
Na tribo ou na horda, nas civilizações agrárias ou nas civilizações teocráticas, o indivíduo é apenas uma peça da engrenagem social. Funciona segundo as exigências do meio, guiado pelas forças operantes da estrutura sócio cultural. Denis de Rougemont demonstrou como essas forças determinam a sujeição absoluta do indivíduo à estrutura. Quando ele se reconhece dotado de características próprias, realizando-se na transcendência horizontal da relação social, destaca-se da massa. Corre então o risco da excomunhão. Mas se dispuser de estrutura individual suficientemente unificada (personalidade) poderá elevar-se sobre o meio, iniciando a fase da transcendência vertical. Nesse caso ele se projeta como uma forma de representação coletiva. Será então o chefe, o líder, o guia, integrando o grupo dirigente da comunidade, a sua inteligência. Mas assim mesmo estará freado pelos condicionamentos sociais, terá de fazer concessões à moral social, aos sistemas estabelecidos, às crenças vigentes, ao contexto geral da tradição. Se quiser sobrepor-se a esses fatores poderá ser esmagado pela pressão da massa, traduzida nas sanções institucionais. Foi o caso de Sócrates, como foi o caso de Jesus.
Nas civilizações sociocêntricas do passado, que se desenvolviam isoladas, esse processo de representação coletiva, que na tribo se dividia entre o cacique e o pajé – o primeiro representando o poder humano, o segundo o poder espiritual, fundiu-se na síntese do Rei Deus, sagrado e ungido para dirigir e defender o povo. A reação natural à rigidez dessa institucionalização perigosa se fez sentir no campo das manifestações paranormais, através de profetas, oráculos e pitonisas. João Batista, degolado por ordem de Herodes, é talvez o símbolo mais vigoroso da profecia social como revolta contra a sagração artificial dos reis-deuses. Mas a representação coletiva atingiu o seu ponto máximo na figura do Messias, o sol fecundador das messes após as agruras do inverno, segundo a tese mitológica. Os messias eram os salvadores e ao mesmo tempo os vingadores, os que vinham salvar os humildes e castigar os poderosos. Investidos da sagração divina pelo próprio Deus, centralizavam, na sua individualidade privilegiada, os poderes da Terra e do Céu. Os seus ensinos constituíam uma revelação divina; pela boca desses arautos falava o próprio Deus.
No milênio medieval o processo dialético prossegue, lento e seguro. Um mundo novo está fermentando nas querelas absurdas e uma nova revelação está sendo elaborada nas suas entranhas psíquicas. A Filosofia Grega inflama o pensamento cristão, despertando-o para a compreensão dos poderes do homem, do valor intrínseco do ser humano. O dogma da encarnação humana de Deus, reflexo das teorias egípcias e indianas do avatar  búdico, produz efeitos contraditórios. De um lado, reforça temporariamente o conceito do homem-deus do passado; de outro lado, desperta a atenção dos pensadores para os poderes divinos do homem. A subversão vai se confirmar nessa linha com o desenvolvimento do Humanismo. A Ciência renascerá das cinzas de Aristóteles e o homem se fará o revelador racional dos mistérios encobertos pela mística religiosa.
As revelações pessoais e locais estão definitivamente superadas. Os messias do passado tornam-se místicos ignorantes, incapazes de revestir-se dos poderes da representação coletiva. A Revolução Francesa proclamará a supremacia da razão sobre todo o passado fideísta. Kardec poderá então distinguir dois tipos de revelação, ambos divorciados da mística e do mistério: a revelação científica, feita pelos pesquisadores dos mistérios da Natureza, e a revelação espiritual, feita através da mediunidade e da pesquisa dos fenômenos paranormais, das condições do mundo supra- sensível. A partir desse momento as revelações pessoais, locais ou não, não terão nenhum sentido. A verdade não pertence a ninguém em particular, a nenhum profeta, messias ou vidente. É um patrimônio comum, ao alcance de todos os que se esforçam para descobri-la. A revelação é coletiva.
O indivíduo como representação coletiva existiu e funcionou nas dimensões do passado, como exigência natural de um mundo fechado em si mesmo, incapaz de superar os condicionamentos sócio mesológicos de cada civilização isolada, entregue às suas próprias forças. No mundo novo que surgiu da abertura cristã, tendo por paradigma a especulação ateniense e por bússola a mensagem racional do Evangelho, não há mais lugar para a autoridade individual no tocante à problemática da verdade, que brota do real-em-si e não das interpretações individuais, sujeitas a condicionamentos desconhecidos. Nenhum indivíduo transformado em representação coletiva e nenhum colégio de iluminados por sabedoria infusa pode decretar a verdade. A Filosofia dedutiva e sistemática do passado cedia lugar à lógica indutiva, liberta das predeterminações arbitrárias dos sistemas.


Patricia Jorge Alves
Terapeuta Homeopata

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