sexta-feira, 1 de maio de 2015

A GENIALIDADE BRASILEIRÍSSIMA DE MÁRIO DE ANDRADE







                                                    MÁRIO DE ANDRADE
                                                    *09 de Outubro de 1893
                                                    + 25 de Fevereiro de 1945



Filho de Carlos Augusto de Andrade e Maria Luísa de Almeida Leite Moraes de Andrade, Mário Raul de Morais Andrade nasceu em São Paulo. Desde cedo, fez aulas de piano e escreveu poesias, mas sem a intenção de transformar a escrita em profissão. Um tremor nas mãos atrapalhou a prática do piano, fazendo com que Andrade considerasse dar aulas de música.
Mário de Andrade trabalhou na “Revista da Antropofagia”, criada em 1928 pelo amigo e também modernista Oswald de Andrade. Um dos seus romances de maior sucesso, “Macunaíma”, foi lançado no mesmo ano. O escritor colaborou ainda com as publicações “A Gazeta”, “A Cigarra”, “O Echo”, “Papel e Tinta”, “Klaxon”, “Diário Nacional”, “Folha de São Paulo” e “Diário de São Paulo”. 
Na Universidade do Distrito Federal, atualmente Universidade Estadual do Rio de Janeiro, assumiu o cargo de diretor do Instituto de Artes em 1938. Voltou para a terra natal em 1942 e deu aulas de história da música no Conservatório Dramático e Musical.
Mário de Andrade era um estudioso de cultura brasileira, por isso foi o fundador do Departamento de Cultura de São Paulo, vinculado à Prefeitura Municipal de São Paulo. Por alguns anos, atuou também como fotógrafo.
Mário de Andrade foi a figura central do movimento de vanguarda de São Paulo e figura-chave do movimento modernista que culminou na Semana de Arte Moderna de 1922. O escritor foi um dos integrantes do “Grupo dos Cinco”, que deu início ao modernismo no Brasil.
Antes de falar do livro Macunaíma é importante ressaltar sobre a Semana de Arte Moderna de 1922, entre os dias 11 a 18 de Fevereiro, no Teatro Municipal de São Paulo.  Foi um evento de música, dança, poesia, e artes plásticas, inaugurando um novo movimento cultural no Brasil: o Modernismo.
O Governador do Estado de São Paulo da época, Washington Luís, apoiou o movimento. René Thiollier, solicitou o patrocínio para trazer artistas do Rio de Janeiro como: Plínio Salgado e Menotti Del Picchia.
O evento ocorreu em três dias, apesar do designativo “semana”, sendo que em cada dia foi trabalhado um aspecto cultural: pintura, poesia, literatura, escultura e música. Tornou referência cultural no século XX, marcando o início do modernismo no Brasil. Representou uma verdadeira renovação de linguagem, na busca de experimentação, na liberdade criadora da ruptura com o passado, passando da vanguarda para o modernismo. Novas ideias e conceitos artísticos, como a poesia através de declamação; a música por meio de concertos; arte plástica exibida em telas, esculturas, maquetes de arquitetura, com desenhos arrojados e modernos.
Artistas que participaram :
Pintores: Alberto Martins Ribeiro, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Inácio da Costa Ferreira, John Graz, Osvaldo Goeldi, Vicente do Rego Monteiro.
Escultores: Hidelgardo Leão Velloso, Victor Brecheret, Wilhelm Haarberg.
Artista cênico: Eugênia Álvaro Moreyra
Poetas e Escritores: Álvaro Moreira, Guilherme de Almeida, Mario de Andrade, Menotti Del Picchia, Oswald de Andrade, Plínio Salgado, Renato de Almeida, Ribeiro Couto, Ronald de Carvalho, Sérgio Milliet.
Músicos: Ernâni Braga, Frutuoso Viana, Guiomar Novais, Heitor Villa-Lobos.
Arquitetos: Antônio Garcia Moya e Georg Pryembel.









Macunaíma: Herói sem nenhum caráter!
Mário de Andrade, gênio literário cria uma nova linguagem literária, usando provérbios, aproximando-se o máximo da linguagem oral. A descentralização da cultura, é um dos objetivos do Modernismo. O autor, trata o nacionalismo em torno do verde amarelismo, buscou motivos indígenas, folclóricos, nativos e americanos. Apresentou a descentralização  da cultura na língua, ilustrando o vocabulário regional de todos os pontos do Brasil. A mistura linguística é um dos valores principais do livro.
Descreve um personagem preguiçoso, assumindo diversas faces.














[...Macunaíma mal esboçava de tão chumbado. E procurando um macio nos cabelos da companheira adormecia feliz.
Então pra animá-lo Ci empregava o estratagema sublime. Buscava no mato a folhagem de fogo da urtiga e sapecava com ela uma coça coçadeira no chuí do herói e na nalachítchi dela. Isso Macunaíma ficava que ficava um lião querendo. Ci também. E os dois brincavam que mais brincavam num deboche de ardor prodigioso.
Mas era nas noites de insônia que o gozo inventava mais. Quando todas as estrelas incendiadas derramavam sobre a Terra um ólio calorento que ninguém não suportava de tão quente, corria pelo mato uma presença de incêndio. Nem a passarinhada aguentava no ninho. Mexia inquieta o pescoço, voava pro galho em frente e no milagre mais enorme deste mundo inventava de supetão uma alvorada preta, cantacantando que não tinha fim. A bulha era tremenda o cheiro poderoso e o calor inda mais.
Macunaíma dava um safanão na rede atirando Ci longe. Ela acordava feito fúria e crescia pra cima dele. Brincavam assim. E agora despertados inteiramente pelo gozo inventavam artes novas de brincar.
Nem bem seis meses passaram e a Mãe do Mato pariu um filho encarnado. Isso, vieram famosas mulatas da Baía, do Recife, do Rio Grande do Norte e da Paraíba, e deram pra Mãe do Mato um laçarote rubro cor de mal, porque agora ela era mestra do cordão encarnado em todos os Pastoris de Natal. Depois foram-se embora com prazer e alegria, bailando que mais bailando, seguidas de futebóleres águias pequenos xodós seresteiros, toda essa rapaziada dorê. Macunaíma ficou de repouso o mês de preceito porém se recusou a jejuar. O pecurrucho tinha cabeça chata e Macunaíma inda a achatava mais batendo nela todos os dias e falando pro guri:
- Meu Filho, cresce depressa pra você ir pra São Paulo ganhar muito dinheiro.
Todas as icamiabas queriam bem o menino encarnado e no primeiro banho dele puseram todas as joias das tribos pra que o pequeno fosse rico sempre. Mandaram buscar na Bolívia uma tesoura e enfiaram ela aberta debaixo do cabeceiro porque sinão Tutu Marambá vinha, chupava o umbigo do piá e o dedão do pé de Ci. Tutu Marambá veio, topou com a tesoura e se enganou: chupou o olho dela e foi-se embora satisfeito. Todos agora só matutavam no pecurrucho. Mandaram buscar pra ele em São Paulo os famosos sapatinhos de lã tricotados por dona Ana Francisca de Almeida Leite Morais e em Pernambuco as rendas “Rosa dos Alpes”, “Flor de Guabiroba” e “Pr ti padeço” tecidas pelas mãos de dona Joaquina Leitão mais conhecida pelo nome de Quinquina Cacunda. Filtravam o milhor tamarindo das Irmãs Louro Vieira, de Óbidos, pro menino engolir no refresco o remedinho pra lombriga. Vida feliz, era bom!.... Mas uma feita Jucurutu pousou na maloca do Imperador e soltou o regougo agourento. Macunaíma tremeu assustado espantou os mosquitos e caiu no pajuari por demais de ver si espantava o medo também. Bebeu e dormiu noite inteira. Então chegou a Cobra Preta e tanto que chupou o único peito vivo de Ci que não deixou nem o apojo. E como Jiguê não conseguira moçar nenhuma das icamiabas o curumim sem ama chupou o peito da mãe no outro dia, chupou mais, deu um suspiro envenenado e morreu.
Botaram o anjinho numa igaçaba esculpida com forma de jabuti e pros boitatás não comerem os olhos do morto o enterraram mesmo no centro da taba com muitos cantos muita dança e muito pajuari.
Terminada a função a companheira de Macunaíma, toda enfeitada ainda, tirou do colar uma muiraquitã famosa, deu-a pro companheiro e subiu pro céu por um cipó. É lá que Ci vive agora nos trinques passeando, liberta das formigas, toda enfeitada ainda, toda enfeitada de luz, virada numa estrela. É a Beta do Centauro.
No outro dia quando Macunaíma foi visitar o túmulo do filho viu que nascera do corpo uma plantinha. Trataram dela com muito cuidado e foi o guaraná. Com as frutinhas piladas dessa planta é que a gente cura muita doença e se refresca durante os calorões de Vei, a Sol.]
 (ANDRADE,Mário. Macunaíma, 2ª ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira,2013. Cap.3 Pág.33 à35)











                                                                                                                           
Século XX, o Brasil se moderniza. Mário de Andrade usou e abusou com criatividade, encanto, leveza, movimento, cor, ao escrever o livro “Macunaíma”. Revolucionou a Arte Moderna. Quiçá, chocou com a linguagem até então, escrita de vanguarda! Frases como: “Macunaíma mal esboçava de tão chumbado”. E procurando um macio nos cabelos da companheira adormecia feliz.” Não se preocupou com pontuação, usando termos de linguagem barroca do folclore popular, se opondo a linguagem clássica : “É lá que Ci vive agora nos trinques passeando, liberta das formigas, toda enfeitada ainda, toda enfeitada de luz, virada numa estrela. É a Beta do Centauro”. A Estrela Beta do Centauro, vê-se  no céu do Amazonas. Mário, com sua genialidade, mostrou o Brasil que não vemos, de Norte ao Sul,  de Leste a Oeste. Índio, Negro e Branco todos juntos numa mesma estória. No ano que foi escrito o livro em 1927 publicado em 1928, passaram-se 6 anos  da semana da Arte Moderna, mesmo assim as mudanças continuavam a  acontecer. Os padrões estéticos, sociais e culturais da época, baseavam-se nos padrões tradicionais europeus. Rompeu-se, chocando de certa forma, a  mídia  conservadora, referindo-se como: “subversores da arte”, Espíritos Cretinos e débeis” ou “futuristas endiabrados”.
Foi exceção na época o Jornal Correio Paulistano apoiando os lançamentos do movimento. Uma linguagem brasileiríssima, expressada com entusiasmo, onde  Mário  inovou o gênero:  rapsódia que é  uma palavra vindo do grego e designa obras tais como a Ilíada e a Odisseia de Homero. Para os gregos, uma rapsódia é uma obra literária que condensa todas as tradições orais e folclóricas de um povo. Além disso, na música, uma rapsódia utiliza contos tradicionais ou populares de certo povo em temas de composição improvisada.
Mario de Andrade, assim como outros modernistas, buscam resgatar a imagem do Brasil, sendo, portanto, uma obra com caráter nacionalista. Porém, esse nacionalismo não é dado da mesma forma que o nacionalismo dos escritores do Romantismo, que usavam a figura idealizada do índio. Em Macunaíma o nacionalismo tem um caráter crítico e a figura do índio aparece causando uma reflexão sobre o que é ser brasileiro.

“...Então a moça abocanhou o dedão do pé dele e engoliu.” (ANDRADE,Mário. Macunaíma, 2ª ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira,2013. Cap.1 Pág.16)

 O movimento antropofágico que teve sua liderança em Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Mário de Andrade, Raul Boop, dentre outros. Foi considerado um dos movimentos mais importantes da história da arte nacional,   marcando a vida artística brasileira, tanto no modo de pensar como também no de se expressar, como disse Oswald de Andrade, por fim ao falar difícil sem nada dizer.
O movimento antropofágico, teve duas vertentes: uma que se voltou a produção nacional, ou seja, a cultura indígena, liberação dos instintos e valorização da inocência. De outra sorte, não havia um xenofobismo, no sentido de rejeitar tudo que era oriundo da Europa ou de outros países.
Este movimento “vanguardista” foi uma pretensão de “digerir aquilo que vinha de fora, melhor, queria devorar o que vinha através dos rituais europeus, digerindo e reconstruindo, superando a sociedade patriarcal, capitalista da época.”
Foi um movimento artístico, tecendo críticas sobre a então ordem social e o capitalismo. Um desdobramento do “Primitivismo Pau-Brasil” e uma “Reação ao “Nacionalismo Verde e Amarelo.”
Os intelectuais por meio de uma atitude irreverente, satírica; através de sua manifestação artística, pretendem curar a nação brasileira, de um dos seus maiores males orgânicos: “o entreguismo à cultura europeia”.
Foi proposto por Oswald de Andrade, uma orientação estética e ideológica, trazendo a emancipação quanto à submissão do Brasil e sua atitude conservadora em relação às artes.
Dessa forma, podemos considerar que a Semana de Arte Moderna teve uma importância fundamental na revisão dos valores estéticos e nas discussões intelectuais do Brasil. Apesar do acesso ao conhecimento e o analfabetismo serem dois grandes entraves desse período, o evento teve grande importância para que outras manifestações artísticas surgissem posteriormente. Na década de 1960, por exemplo, o movimento tropicalista assumiu explicitamente a influência desse rico capítulo da cultura nacional.


Patricia Jorge Alves
Terapeuta Homeopata




Bibliografia:
NETTO, Adriano Bitarães. Antropofagia Oswaldiana, Um Receituário estético e Científico. São Paulo: Annablume,2004.
CAMPOS, Haroldo de. Morfologia do Macunaíma. 2ª Edição. São Paulo: Perspectiva, 2008.
TUFANO, Douglas. Modernismo e Literatura Brasileira (1922-1945). 2ª Edição. São Paulo. Paulus, 2007.
ANDRADE, Mário de. “Macunaíma, O Herói Sem Nenhum Caráter”. 2ª Edição. Rio de Janeiro. Nova Fronteira,2013.


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