quarta-feira, 28 de setembro de 2011

O PECADO CAPITAL


                                                        


Ha três idéias centrais para a compreensão do sistema de pensamento do ego. Esses são os fundamentos de todo o sistema: o pecado, a culpa, e o medo. Sempre que vocês virem a palavra ‘pecado’  podem substituí-la pela palavra ‘separação’, porque as duas são a mesma. O pecado pelo qual nós nos sentimos mais culpados, que em última instância é a fonte de toda a nossa culpa, é o pecado de acreditarmos que estamos separados de Deus, o tópico que acabamos de descrever. Isso é em princípio a mesma coisa que as igrejas ensinaram como o ‘pecado original’. A descrição no terceiro capítulo do Gênesis nos dá um relato perfeito do nascimento do ego.
Assim o início do ego é acreditarmos que estamos separados de Deus. O pecado é isso: acreditarmos que nos separamos de nosso Criador e constituirmos um ser que é separado do nosso Ser verdadeiro. O Ser é sinônimo de Cristo. Sempre que vocês virem a palavra ‘Ser’ com letra maiúscula, podem substituí-la por ‘Cristo’.
Nós acreditamos que constituímos um ser (com ‘s’ minúsculo) que é a nossa verdadeira identidade e esse ser é autônomo com relação ao nosso Ser real e com relação a Deus. Esse é o começo de todos os problemas no mundo: acreditarmos que somos indivíduos separados de Deus. Uma vez que acreditamos que cometemos esse pecado, ou uma vez que acreditamos que cometemos qualquer pecado, é psicologicamente inevitável nos sentirmos culpados por aquilo que acreditamos que fizemos. Em certo sentido, a culpa pode ser definida como a experiência de termos pecado. Assim, podemos basicamente usar pecado e culpa como sinônimos: uma vez que acreditamos que pecamos é impossível não acreditarmos que somos culpados, passando a sentir o que conhecemos como culpa.
Quando se  fala sobre culpa, usa a palavra de modo um pouco diferente daquele no qual ela é usada geralmente, que quase sempre serve para conotar que eu me sinto culpado por aquilo que fiz ou deixei de fazer. A culpa está sempre ligada a coisas específicas do nosso passado. Mas e a  maior parte dessa culpa é inconsciente; é por isso que a imagem de um iceberg é tão útil. A maior parte das experiências que nos indicariam o quanto nós nos sentirmos mal estão abaixo da superfície da nossa mente consciente, o que faz com que sejam virtualmente inacessíveis a nós. E a maior fonte de toda essa culpa é acreditarmos que pecamos contra Deus por nos separarmos d’Ele. Como resultado disso, vemos a nós mesmos separados de todas as outras pessoas e do nosso Ser.
Uma vez que nos sentimos culpados é impossível não acreditarmos que seremos punidos pelas coisas terríveis que acreditamos ter feito e pelas coisas terríveis que acreditarmos ser.  A culpa sempre exige punição. Uma vez que nos sentimos culpados, acreditaremos que temos que ser punidos pelos nossos pecados. Psicologicamente não há nenhuma forma de evitarmos esse passo. Então teremos medo. Todo medo, não importa qual pareça ser a sua causa no mundo, vem da crença de que eu devo ser punido pelo que fiz ou pelo que não fiz. E assim terei medo do que será essa punição.
Por acreditarmos que o objeto último do nosso pecado é Deus, contra o qual pecamos por nos separarmos d’Ele, acreditaremos então que será o próprio Deus que virá nos punir. Quando lemos a Bíblia e nos deparamos com todas aquelas passagens terríveis sobre a ira e a vingança de Deus, agora sabemos onde elas tiveram origem. Isso nada tem a ver com Deus como Ele é, já que Deus é apenas Amor. Todavia isso tem tudo a ver com as projeções da nossa culpa sobre Ele. Não foi Deus quem expulsou Adão e Eva do Jardim do Éden; Adão e Eva expulsaram a si mesmos do Jardim do Éden.
Uma vez que acreditamos haver pecado contra Deus, o que todos nós fazemos, temos que acreditar também que Deus nos punirá. Um dos obstáculos é o medo de Deus. O que fizemos, e claro, por nos tornarmos amedrontados em relação a Deus, foi transformar o Deus do Amor em um Deus de medo: um Deus de ódio, punição e vingança. E justamente isso que o ego quer que façamos. Uma vez que nos sentimos culpados, pouco importa de onde acreditamos que venha essa culpa, também acreditarmos não apenas que somos culpados, mas que Deus nos vai atacar e matar. Assim, Deus, que é o nosso Pai cheio de amor é nosso único Amigo, vem a ser nosso inimigo. E Ele é um inimigo e tanto, nem sequer é preciso dizer. Mais uma vez, essa é a origem de todas as crenças que encontramos na Bíblia, ou em qualquer outro lugar, sobre Deus como um Pai que nos vai punir. Acreditar que Ele é assim é atribuir-lhe as mesmas qualidades egóticas que nós temos. Como disse Voltaire: “Deus criou o homem a Sua própria imagem e depois o homem lhe devolveu o cumprimento”. O Deus que nós criamos é realmente a imagem de nosso próprio ego.
Ninguém pode existir nesse mundo com esse grau de medo e terror, e com essa intensidade de ódio e culpa contra si mesmo na sua mente consciente. Seria absolutamente impossível para nós vivermos com essa quantidade de ansiedade e terror, isso nos devastaria. Portanto, tem que haver algum meio de lidarmos com isso. Como não podemos ir a Deus em busca de ajuda, já que dentro do sistema do ego nós transformamos Deus em um inimigo. O único outro recurso disponível é o próprio ego.
Nós vamos ao ego em busca de ajuda e dizemos: “Olhe, você tem que fazer alguma coisa, eu não posso tolerar toda essa ansiedade e todo o terror que sinto. Ajude-me!” O ego, fiel à sua forma, nos oferece uma ajuda que não nos ajuda absolutamente, embora pareça que sim. A ‘ajuda’ vem em duas formas básicas e é, de fato, aqui que as contribuições de Freud podem ser verdadeiramente compreendidas e apreciadas.As experiências conscientes de culpa são apenas como o topo de um iceberg. Se vocês pensarem num iceberg, abaixo da superfície do mar está essa massa gigantesca que representaria o que é a culpa. A culpa é realmente a soma total de todas as crenças, experiências e sentimentos negativos que jamais tivemos sobre nós mesmos. Assim, a culpa pode ser qualquer forma de ódio ou rejeição de si mesmo; sentimentos de incompetência, fracasso, vazio, ou a sensação de que há coisas em nós que estão faltando, ou estão perdidas, ou são incompletas.
Para Freud, o ego é apenas uma parte da psiquê, que consiste do id (o inconsciente), o superego (o consciente), e o ego, que é a parte da mente que integra tudo isso.
Incidentalmente, o único erro de Freud foi monumental! Ele não reconheceu que toda a psiquê era uma defesa contra o nosso verdadeiro Ser, a nossa verdadeira realidade. Freud tinha tanto medo da sua própria espiritualidade que ele teve que construir todo um sistema de pensamento que era virtualmente impregnável à ameaça do espírito. E ele, de fato, fez exatamente isso. O que fazermos com essa culpa, esse senso de pecado, e com todo esse terror que sentimos é fazer de conta que não existem. Nós apenas os empurramos para o fundo, fora da consciência, e esse empurrar para baixo é conhecido como repressão ou negação.
Apenas negamos a sua existência para nós mesmos. Por exemplo, se estamos com muita preguiça de varrer o chão, varremos a sujeira para baixo do tapete e então fazemos de conta que não está ali; ou um avestruz que quando tem medo apenas enfia a cabeça na areia para não ter que lidar com o que o ameaça tanto, nem sequer se defrontar com isso. Bem, isso não funciona por razões óbvias. Se continuamente varremos a sujeira para baixo do tapete, ele vai ficar cheio de caroços e nós eventualmente vamos tropeçar, enquanto o avestruz pode se ferir muito continuando com a sua cabeça virada para baixo.
Mas, em algum nível, sabemos que a nossa culpa está lá. Assim, vamos ao ego mais uma vez para lhe dizer que “negar foi ótimo, mas você vai ter que fazer alguma outra coisa. Esse negócio vai subir e eu vou explodir. Por favor, ajude-me.” E aí o ego diz: “Eu tenho a coisa certa para você.” Ele nos diz para procurar na página tal e tal na Interpretação dos Sonhos de Freud e lá nos achamos o que se conhece como projeção. Provavelmente não há nenhuma idéia  que seja mais crítica para a nossa compreensão brilhante ao descrever como a psiquê ou o ego trabalha. O seu erro, mais uma vez, foi não reconhecer que a coisa toda era uma defesa contra Deus.
Nós tomamos a culpa ou o pecado que acreditamos estar dentro de nós e dizemos: Isso não está realmente em mim, está em você. Eu não sou culpado, você é culpado. Eu não sou responsável por ser miserável e infeliz, você sim é culpado pela minha infelicidade. Do ponto de vista do ego, não importa quem seja o ‘você’. Para o ego, não importa em cima de quem você projeta, contanto que ache alguém para descarregar a sua culpa. E assim que o ego nos diz para nos livrarmos da culpa.
Uma das melhores descrições que eu conheço desse processo de projeção se encontra no Velho Testamento, no Levítico, onde é dito aos filhos de Israel o que fazer no dia do perdão, Yom Kippur. Eles devem reunir-se e no centro do campo está Arão que, como Sumo Sacerdote, é o mediador entre o povo e Deus. Ao lado de Arão está um bode e Arão coloca a sua mão sobre o bode e simbolicamente transfere todos os pecados que o povo acumulou durante todo o ano para esse pobre bode. Eles, então, chutam o bode para fora do campo. Esse é um relato perfeito e gráfico do que é exatamente a projeção e, como não poderia deixar de ser, é daí que vem a expressão ‘bode expiatório’.
Assim, tomamos os nossos pecados e dizemos que eles não estão em nós, estão em você. Com isso colocamos uma distância entre nós mesmos e nossos pecados. Ninguém quer estar perto de seus próprios pecados, e assim nós os tiramos de dentro de nós e os colocamos em outra pessoa e depois banimos essa pessoa de nossa vida. Há duas formas básicas de fazermos isso. Uma é nos separarmos fisicamente dela; a outra é nos separarmos psicologicamente. A separação psicológica é realmente a mais devastadora e também a mais sutil.
O modo de nos separarmos de outras pessoas, uma vez tendo colocado nossos pecados sobre elas, é atacá-las ou ficar com raiva. Qualquer expressão da nossa raiva,seja na forma de um leve toque de aborrecimento ou fúria intensa é sempre uma tentativa de justificar a projeção da nossa culpa, não importa qual pareça ser a causa da nossa raiva. Essa necessidade de projetar a nossa culpa é a raiz da causa de toda a raiva. Você não tem que concordar com o que as outras pessoas dizem ou fazem, mas no minuto em que experimenta uma reação pessoal de raiva, julgamento ou crítica, isso vem sempre porque você viu naquela pessoa alguma coisa que negou em Si mesmo. Em outras palavras, você está projetando o seu próprio pecado e culpa naquela pessoa e os ataca lá. Mas dessa vez, você não os está atacando em si mesmo, e sim naquela outra pessoa, que você quer tão longe quanto possível. O que você realmente quer fazer é conseguir que o seu pecado fique tão longe de si mesmo quanto possível.
Uma das coisas interessantes quando alguém lê o Velho Testamento, especialmente o Levítico ou terceiro livro da Tora, é ver como os filhos de Israel eram minuciosos em suas tentativas de identificar as formas de sujeira que estavam a sua volta e como deveriam manter-se separados de todas elas. Há passagens bastante detalhadas descrevendo o que é a sujeira, seja nas qualidades das pessoas, nas formas da própria sujeira ou em certas pessoas por si mesmas. Depois, explica-se como os filhos de Israel deveriam manter-se separados dessas formas de sujeira. Quaisquer que sejam as outras razões que podem ter estado envolvidas, um significado central desses ensinamentos era a necessidade psicológica de tirar a sua própria sujeira de dentro de você e colocá-la do lado de fora em outra pessoa, e depois separar-se daquela pessoa.
O ego é muito atraído pela culpa, e os seus motivos são óbvios uma vez que você se lembre do que ele é. A explicação racional do ego para os seus conselhos de negação e projeção é a seguinte: o ego não é nada mais do que uma crença, a crença segundo a qual a separação é real. O ego é o falso ser que aparentemente passou a existir quando nós nos separamos de Deus. Portanto, enquanto acreditarmos que a separação é real, o ego continua em cena. Uma vez que acreditarmos que não há nenhuma separação, então o ego está terminado.O ego e o mundo que ele fez desaparecem no nada de onde ele veio o ego não é nada realmente. Enquanto acreditarmos que aquele pecado original ocorreu, que o pecado da separação é real, estamos dizendo que o ego é real. É a culpa que nos ensina que o pecado é real. Qualquer sentimento de culpa é sempre uma declaração que diz: “Eu pequei”. E o significado último do pecado é que eu me separei de Deus. Portanto, enquanto eu acreditar que o meu pecado é real, sou culpado. Quer eu veja o meu pecado em mim ou em outra pessoa, estou dizendo que o pecado é real, e que o ego é real. O ego, portanto, tem interesse em nos manter culpados.
Sempre que o ego seja confrontado com a impecabilidade, ele vai atacá-la, pois o maior pecado contra o sistema de pensamento do ego é ser sem culpa. Se você é sem culpa, você também é sem pecado, e se você é impecável, não há ego. “Para o ego, os que não tem culpa são culpados”, porque ser sem culpa é pecar contra o mandamento do ego: “Tu serás culpado”. Se você não tem culpa, você então passa a ser culpado por não ter culpa. Essa, por exemplo, foi a razão pela qual o mundo matou Jesus. Ele nos estava ensinando que somos sem culpa e, portanto, o mundo teve que matá-lo porque ele estava blasfemando contra o ego.
Assim sendo, o propósito fundamental do ego é manter-nos culpados. Mas ele não nos pode dizer isso porque, se o fizer, não vamos prestar nenhuma atenção a ele então ele nos diz que se seguirmos o que ele nos aconselha, ficaremos livres da nossa culpa. E o modo de conseguirmos isso, mais uma vez, é negar a sua presença em nós, vê-la em alguma outra pessoa e depois atacar essa pessoa. Assim ficaremos livres da nossa culpa. Mas, o que ele não nos diz é que atacar é o melhor meio de nos manter culpados. Isso e verdade porque, como declara um outro axioma psicológico, sempre que você ataca uma pessoa qualquer, seja na sua mente ou de fato, você se sentirá culpado. Não há forma alguma de ferir qualquer um, seja em pensamento ou atos, que não acarrete sentimentos de culpa. Você pode não experimentar a culpa.Por exemplo, psicopatas não experimentam a própria culpa; mas isso não significa que em um nível mais profundo não se sintam culpados.
Nesse ponto, o que o ego faz, e de modo muito astuto, é estabelecer um ciclo de culpa e ataque através do qual quanto mais culpados nos sentimos, maior será a nossa necessidade de negar a culpa em nós mesmos atacando uma outra pessoa por isso. Contudo, quanto mais atacamos um outro, maior será a nossa culpa pelo que fizemos, pois em algum nível reconhecemos que atacarmos aquela pessoa falsamente. Isso só nos fará sentir culpa e manterá a coisa toda indefinidamente. É esse ciclo de culpa e ataque que faz o mundo girar! Não é o amor. Se alguém lhe diz que o amor faz o mundo girar, esse alguém não sabe grande coisa sobre o ego. O amor é do mundo de Deus e é possível refletir esse amor neste mundo. Todavia, neste mundo o amor não tem lugar. O que tem lugar é culpa e ataque, e é essa a dinâmica que está tão presente em nossas vidas, seja a nível individual, ou seja a nível coletivo.

Patricia Jorge Alves
Terapeuta Homeopata

CICLO, ATAQUE E DEFESA


                                                              
Um ciclo secundário que se estabelece é o de ataque-defesa. Uma vez que eu acredito que sou culpado e projeto a minha culpa em você através do ataque, eu tenho que acreditar (pelo princípio mencionado anteriormente) que a minha culpa exigirá punição. Como eu ataquei você, não posso deixar de acreditar que mereço ser atacado de volta. Agora, se você de fato me ataca ou não, pouco importa realmente; vou acreditar que você vai fazê-lo, devido a minha própria culpa. Acreditando que você vai me atacar de volta, eu então acredito que preciso defender-me contra o seu ataque. E como estou tentando negar o fato de ser culpado, sentirei que o seu ataque contra mim não tem justificativa. No momento em que eu o ataco, o meu medo inconsciente é que você me ataque de volta e é melhor que eu esteja preparado para isso. Assim tenho que construir uma defesa contra o seu ataque. Isso fará com que você fique com medo, e assim nós nos tornamos parceiros nisso; quanto mais eu o ataco, mais você tem que se defender de mim retornando o meu ataque, e mais eu terei que me defender contra você e atacá-lo de volta. E nós seguimos assim para frente e para trás.
Essa dinâmica, obviamente, é o que explica a insanidade da corrida de armas nucleares. Também explica a insanidade que todos nós sentirmos. Quanto maior a minha necessidade de defender-me, mais eu estou reforçando o fato de ser culpado. É também muito importante que se compreenda isso nos termos do ego, e está dito provavelmente na sua forma mais clara em uma frase do texto que diz: “Defesas fazem exatamente aquilo do qual pretendem te defender” . O propósito de todas as defesas é proteger-nos ou defender-nos do nosso medo. Se eu não tivesse medo, não teria que ter uma defesa, mas o próprio fato de precisar de uma defesa me diz que devo estar amedrontado, pois se não estivesse não teria que me dar ao trabalho de me defender. O próprio fato de eu estar me defendendo reforça o fato de que devo estar amedrontado e, devo estar amedrontado, porque sou culpado. Assim as minhas defesas estão reforçando exatamente a coisa da qual me deveriam proteger o meu medo. Portanto, quanto mais eu me defendo, mais ensino a mim mesmo que sou um ego: pecador, culpado, e amedrontado.
O ego não é realmente tolo. Ele nos convence de que temos que nos defender, mas quanto mais o fazemos, mais culpados nos sentimos. Ele nos diz de muitas formas diferentes como temos que nos defender da nossa culpa. Mas a própria proteção que ele nos oferece reforçará essa culpa. E por isso que vivemos dando voltas e mais voltas no mesmo lugar. Há uma lição maravilhosa que diz: “A minha segurança está em ser sem defesas.” . Se eu vou saber verdadeiramente que estou a salvo e que a minha proteção verdadeira é Deus, a melhor maneira de fazer isso é não me defender. E por isso que lemos nos evangelhos sobre os últimos dias de Jesus e vemos que ele não se defendeu absolutamente. A partir do momento que foi preso, durante todo o tempo em que estava sendo escarnecido, açoitado, perseguido e até assassinado, ele não se defendeu. E o que ele estava dizendo era: "Eu não preciso de defesas”, pois como ele diz no livro de exercícios, “O Filho de Deus não precisa de defesas contra a verdade da sua realidade”. Quando sabemos verdadeiramente Quem somos e Quem é o nosso Pai, nosso Pai no Céu, não temos que nos proteger pois a verdade não precisa ser defendida. Contudo, dentro do sistema do ego, sentiremos que precisamos de proteção e assim sempre nos defenderemos. Portanto, esses dois ciclos realmente agem para manter todo o sistema do ego em funcionamento. Quanto mais nos sentimos culpados, mais atacaremos. Quanto mais atacamos, mais sentimos a necessidade de defender-nos da punição esperada ou do contra-ataque, que é, em si mesmo, um ataque.
O segundo capítulo do Gênesis termina com Adão e Eva de pé, nus, um diante do outro, sem vergonha alguma. A vergonha é apenas um outro nome para a culpa, e a ausência de vergonha é uma expressão da condição que existia antes da separação. Em outras palavras, não havia culpa porque não havia nenhum pecado. E no terceiro capítulo que se fala do pecado original, e esse começa com Adão e Eva comendo do fruto proibido. Esse ato constitui a sua desobediência para com Deus, e esse é realmente o pecado. Em outras palavras, eles vêem a si mesmos como se tivessem uma vontade separada de Deus e esta pudesse escolher alguma coisa diferente do que Deus tinha criado. E isso, mais uma vez, é o nascimento do ego: acreditar que o pecado é possível. Assim, eles comem esse fruto e a primeira coisa que fazem depois disso é olhar um para o outro e dessa vez, eles sentem vergonha e se cobrem. Colocam folhas de figueira sobre os seus órgãos sexuais e isso então passa a ser uma expressão da sua culpa. Compreendem que fizeram uma coisa pecaminosa, e a nudez de seus corpos vem a ser o símbolo de seu pecado.
Conseqüentemente, eles tem que se defender disso, que passa a expressar a sua culpa.
A próxima coisa que acontece é Adão e Eva ouvirem a voz de Deus, que os está procurando e agora eles ficam com medo do que Deus vai fazer quando os pegar. Assim se escondem nas moitas para que Deus não os veja. Aí está clara a conexão entre a crença no pecado—que é possível separar-se de Deus—e o sentimento de culpa por ter feito isso, seguido do medo do que vai acontecer quando Deus nos pegar e nos punir. De fato, à medida que o terceiro capítulo continua, Adão e Eva estavam absolutamente certos porque Deus realmente os castiga. A coisa interessante é que quando Deus afinal confronta Adão, ele projeta a culpa em Eva e diz: “Não fui eu que fiz isso, foi Eva que me fez fazer isso. (E sempre a mulher que leva a culpa). Então Deus olha para Eva, que faz exatamente a mesma coisa e diz: “Não fui eu que fiz isso. Não me culpe, foi a serpente”. Assim vemos com clareza o que fazermos para nos defender do nosso medo e da nossa culpa: projetamos a culpa em um outro.
Lembrem-se do que eu disse anteriormente: a culpa sempre exigirá punição. O ego exige que Adão e Eva sejam punidos por seu pecado, assim quando Deus os encontra, Ele os castiga com uma vida cheia de dor e sofrimento, a partir do nascimento até o fim, que é a morte. No fim do dia, vou dizer-lhes como Jesus desfaz todo esse processo. De qualquer modo, esse capítulo do Gênesis é o sumário perfeito de toda a estrutura do ego: o relacionamento entre pecado, culpa, e medo.
Uma das formas mais importantes do ego se defender da culpa é atacando outras pessoas, e é isso o que a nossa raiva sempre parece fazer: justificar a projeção da nossa culpa sobre os outros. É extremamente importante reconhecermos como é forte o investimento do mundo, e de cada um de nós como parte do mundo, em justificar o fato de estarmos com raiva, porque todos nós precisamos ter um inimigo. Não há ninguém neste mundo que, em um nível ou outro, não revista o mundo de qualidade boas e más. E nós separarmos partes do mundo e colocamos algumas pessoas na categoria do que é bom e outras na categoria do que é mau. O propósito disso é a nossa tremenda necessidade de termos alguém para projetarmos a nossa culpa. Precisamos de, pelo menos, uma pessoa ou uma idéia ou um grupo, que possamos transformar no bandido, no bode expiatório. Essa é a fonte de todo preconceito e discriminação. É a tremenda necessidade que temos, que usualmente é inconsciente, de encontrar alguém que possamos transformar no bode expiatório para podermos escapar da carga da nossa própria culpa. Foi isso o que aconteceu desde o início da história. Tem sido esse o caso em cada sistema de pensamento, ou forma de vida importante que jamais existiu no mundo. Tudo sempre se predicou com base no fato de existirem os mocinhos e os bandidos.
Vocês certamente podem ver isso na história do próprio cristianismo. Desde o início, houve o processo de separar os bons dos maus. Os judeus que acreditavam em Jesus contra os judeus que não acreditavam em Jesus, e depois aqueles que acreditavam em Jesus se separaram entre os seguidores de São Pedro, São Paulo, São Tiago etc., e a Igreja se tem subdividido desde então. Isso acontece devido a essa mesma necessidade inconsciente de encontrarmos alguém que possamos ver como diferente e não tão bom quanto nós mesmos. Mais uma vez, é extremamente útil para nós reconhecermos como é forte o investimento que temos nesse processo. E por isso que no cinema todos ficam contentes no final quando o mocinho ganha e o bandido perde. Nós temos o mesmo investimento em ver o bandido ser punido, pois naquele momento acreditamos ter escapado dos nossos pecados. Façamos uma reflexão sem críticas ou julgamentos, apenas um olhar observador:  Quem Criou a Religião? Aonde começou o “poder”? Qual o significado da palavra “religare”?

Patricia Jorge Alves
Terapeuta Homeopata



INSTITUTO CULTURAL IMHOTEP