O
fardo da existência torna-se demasiado pesado para a criatura humana, quando,
vencendo os primeiros anos de ilusão e de fácil entusiasmo, ela se encontra
envolvida na dura e monótona rotina cotidiana. Os dias e as noites se tornam
iguais, ou variam muito pouco, e não raro da pior maneira. Sobrevém para o
homem o cansaço das obrigações que o escravizam, o perigo constante da doença,
do desemprego, dos acidentes e da morte, para ele mesmo e para os que lhe são
mais caros, a incerteza dos dias futuros e a angústia das dificuldades
financeiras.
Os
ricos, bem aquinhoados pela fortuna, despreocupam-se de muitas dessas coisas,
que pesam mais fortemente na vida obscura de milhares de pobres, de milhares de
pessoas que vivem do suor de seu próprio rosto. Mas, mesmo para eles, a vida
reserva o seu quinhão de desilusões e de amarguras. E não raro ela se torna tão
amarga, através das dificuldades de família, das lutas inglórias com amigos e
parentes, das decepções de toda espécie, que o homem aparentemente felizardo,
senhor de grandes fortunas, se enche de tédio e procura uma saída no suicídio
ou nas dissipações e no tumulto das paixões impuras.
Os
cientistas e os artistas, dizia Goethe, empenham-se no caminho de suas
conquistas e realizações, e de nada mais precisam. Os religiosos apegam-se à fé
e conseguem superar os próprios dissabores. Entretanto, se analisarmos melhor
esses velhos conceitos, à luz das experiências reais, veremos que nem a
Ciência, nem a Arte, a Filosofia ou a Religião conseguem de fato salvar o homem
do vazio da vida, quando esse vazio se lhe apresenta em todo o seu horror. O
estímulo de viver, que esses ramos do conhecimento humano conseguem despertar,
pode também esgotar-se, levando o cientista, o artista, o filósofo e o
religioso ao desespero e à descrença.
Diante
disso, procuram os homens construir várias espécies ou sistemas de explicações
para a vida. Numerosos livros foram escritos, milhares de conferências são
diariamente pronunciadas, no intuito de tornar suportável a existência para todos,
aplainando o escarpado caminho dos desiludidos e descrentes.
Desses
sistemas, há um que podemos chamar de heroico. É o materialista, que explica a
vida como uma fatalidade natural a que não podemos fugir e que devemos
enfrentar com energia e serenidade, sem nos atemorizarmos e sem cometermos a
franqueza de uma deserção. Belo sistema para as almas fortes, dotadas da
intuição inata de que a vida tem um objetivo oculto, embora intelectualmente o
neguem. Mas de que serve todo o heroísmo desse sistema para a grande massa do
povo, que não tem disposição para o heroísmo? Se nos fosse possível tornar
materialista um povo inteiro, toda uma nação, veríamos a que extremos de
desespero e de loucura esse belo sistema nos levaria.
Há
um sistema que poderíamos chamar de superficial, e que se enquadra, na
filosofia clássica, na corrente do ceticismo, que nos vem do filósofo grego
Pirron (aproximadamente 360-270 a.C.). Este sistema nada explica nem quer
explicar. Limita-se a considerar a vida como um fato consumado, diante do qual
não nos resta fazer outra coisa senão suportá-la. Para os temperamentos frios,
naturalmente indiferentes e egoístas, ele pode servir. Mas há momentos em que o
próprio egoísta se vê apanhado num torniquete do qual não pode sair e não raro
sente que o seu sistema de indiferença lhe escapa das mãos, deixando-o sozinho
e desarmado diante do imenso mistério do mundo e da vida.
Há
um sistema que chamaríamos de otimista, e que não se funda no pensamento de Epicuro
porque é muito inconsequente para ter as suas raízes em tão esplêndida fonte.
Segundo ele, a vida é bela, o mundo é magnífico e o homem nasceu para gozar as
delícias da vida e os esplendores do mundo. Quando, premido pela doença ou por
qualquer outros motivos imperiosos, não pode satisfazer a esse objetivo único
da existência, deve ele corajosamente estourar os miolos com uma bala ou
atirar-se do último andar do mais elegante arranha-céu. Este sistema encontra,
hoje, intérpretes mais ou menos avançados em certos ramos da chamada filosofia
existencialista.
Mas
há outro sistema, que se enquadra na estrutura doutrinária das várias religiões
dominantes no mundo, segundo o qual o homem nasceu para sofrer e o seu destino
é a dor, a amargura, a desesperança, a luta constante com as adversidades
insuperáveis. É o sistema doloroso do misticismo exasperante, que o povo,
entretanto, procura sempre dosar com sua esperança ilógica nos milagres e nas
providências dos santos e dos anjos. Há um lema para este sistema, que todos
nós conhecemos, e não raro repetimos, por força do hábito: “A felicidade não é
deste mundo.”
O
Espiritismo, entretanto, ao surgir na Terra, em forma de filosofia e, portanto,
de interpretação da vida, em meados do século XIX, opôs-se desde logo a todos
esses sistemas. Negou que a vida não tenha objetivo nem significação, combateu
a teoria do prazer material como finalidade da existência humana e
manifestou-se contrário à ideia de que o homem nasceu para sofrer. Os espíritos
que deram a Kardec a tarefa de codificar a doutrina ensinaram-lhe outro
sistema, diferente de todos os anteriores. E abriram, com ele, perspectivas
novas e mais amplas para a inteligência humana, horizontes mais vastos para o
coração angustiado do homem terreno, que se debatia entre a crença empírica
numa vida futura e a descrença científica, cada vez mais desesperada, em
qualquer possibilidade de sobrevivência.
O
Espiritismo renovou fundamentalmente a concepção humana da vida e do mundo,
ensinando ao homem que ele não nasceu para gozar nem para sofrer, mas apenas
para evoluir, para progredir, como tudo evolui e progride ao nosso redor, na
natureza e na própria sociedade. A dor deixou de ser um castigo imposto ao
homem pela absurda vingança de Deus contra o casal primitivo; o prazer deixou
de ser o objetivo aceitável da existência corpórea e ambos, prazer e dor,
passaram a ser meras decorrências de um processo mais amplo e mais complexo, em
que o homem se acha envolvido, para crescer e se desenvolver, em espírito e
verdade.
PATRICIA JORGE ALVES
TERAPEUTA HOMEOPATA