MÁRIO DE ANDRADE
*09 de Outubro de 1893
+ 25 de Fevereiro de 1945
Filho de Carlos Augusto de
Andrade e Maria Luísa de Almeida Leite Moraes de Andrade, Mário Raul de Morais
Andrade nasceu em São Paulo. Desde cedo, fez aulas de piano e escreveu poesias,
mas sem a intenção de transformar a escrita em profissão. Um tremor nas mãos
atrapalhou a prática do piano, fazendo com que Andrade considerasse dar aulas
de música.
Mário de Andrade trabalhou
na “Revista da Antropofagia”, criada em 1928 pelo amigo e também modernista
Oswald de Andrade. Um dos seus romances de maior sucesso, “Macunaíma”, foi
lançado no mesmo ano. O escritor colaborou ainda com as publicações “A Gazeta”,
“A Cigarra”, “O Echo”, “Papel e Tinta”, “Klaxon”, “Diário Nacional”, “Folha de
São Paulo” e “Diário de São Paulo”.
Na Universidade do Distrito
Federal, atualmente Universidade Estadual do Rio de Janeiro, assumiu o cargo de
diretor do Instituto de Artes em 1938. Voltou para a terra natal em 1942 e deu
aulas de história da música no Conservatório Dramático e Musical.
Mário de Andrade era um
estudioso de cultura brasileira, por isso foi o fundador do Departamento de
Cultura de São Paulo, vinculado à Prefeitura Municipal de São Paulo. Por alguns
anos, atuou também como fotógrafo.
Mário de Andrade foi a
figura central do movimento de vanguarda de São Paulo e figura-chave do
movimento modernista que culminou na Semana de Arte Moderna de 1922. O escritor
foi um dos integrantes do “Grupo dos Cinco”, que deu início ao modernismo no
Brasil.
Antes de falar do livro
Macunaíma é importante ressaltar sobre a Semana de Arte Moderna de 1922, entre
os dias 11 a 18 de Fevereiro, no Teatro Municipal de São Paulo. Foi um evento de música, dança, poesia, e
artes plásticas, inaugurando um novo movimento cultural no Brasil: o
Modernismo.
O Governador do Estado de
São Paulo da época, Washington Luís, apoiou o movimento. René Thiollier,
solicitou o patrocínio para trazer artistas do Rio de Janeiro como: Plínio
Salgado e Menotti Del Picchia.
O evento ocorreu em três dias,
apesar do designativo “semana”, sendo que em cada dia foi trabalhado um aspecto
cultural: pintura, poesia, literatura, escultura e música. Tornou referência
cultural no século XX, marcando o início do modernismo no Brasil. Representou
uma verdadeira renovação de linguagem, na busca de experimentação, na liberdade
criadora da ruptura com o passado, passando da vanguarda para o modernismo.
Novas ideias e conceitos artísticos, como a poesia através de declamação; a
música por meio de concertos; arte plástica exibida em telas, esculturas,
maquetes de arquitetura, com desenhos arrojados e modernos.
Artistas que participaram :
Pintores: Alberto Martins
Ribeiro, Anita Malfatti, Di Cavalcanti, Inácio da Costa Ferreira, John Graz,
Osvaldo Goeldi, Vicente do Rego Monteiro.
Escultores: Hidelgardo Leão
Velloso, Victor Brecheret, Wilhelm Haarberg.
Artista cênico: Eugênia
Álvaro Moreyra
Poetas e Escritores: Álvaro
Moreira, Guilherme de Almeida, Mario de Andrade, Menotti Del Picchia, Oswald de
Andrade, Plínio Salgado, Renato de Almeida, Ribeiro Couto, Ronald de Carvalho,
Sérgio Milliet.
Músicos: Ernâni Braga,
Frutuoso Viana, Guiomar Novais, Heitor Villa-Lobos.
Arquitetos: Antônio Garcia
Moya e Georg Pryembel.
Macunaíma: Herói sem nenhum caráter!
Mário de Andrade, gênio
literário cria uma nova linguagem literária, usando provérbios, aproximando-se
o máximo da linguagem oral. A descentralização da cultura, é um dos objetivos
do Modernismo. O autor, trata o nacionalismo em torno do verde amarelismo, buscou
motivos indígenas, folclóricos, nativos e americanos. Apresentou a
descentralização da cultura na língua,
ilustrando o vocabulário regional de todos os pontos do Brasil. A mistura
linguística é um dos valores principais do livro.
Descreve um personagem
preguiçoso, assumindo diversas faces.
[...Macunaíma mal esboçava
de tão chumbado. E procurando um macio nos cabelos da companheira adormecia
feliz.
Então pra animá-lo Ci
empregava o estratagema sublime. Buscava no mato a folhagem de fogo da urtiga e
sapecava com ela uma coça coçadeira no chuí do herói e na nalachítchi dela.
Isso Macunaíma ficava que ficava um lião querendo. Ci também. E os dois
brincavam que mais brincavam num deboche de ardor prodigioso.
Mas era nas noites de
insônia que o gozo inventava mais. Quando todas as estrelas incendiadas
derramavam sobre a Terra um ólio calorento que ninguém não suportava de tão
quente, corria pelo mato uma presença de incêndio. Nem a passarinhada aguentava
no ninho. Mexia inquieta o pescoço, voava pro galho em frente e no milagre mais
enorme deste mundo inventava de supetão uma alvorada preta, cantacantando que
não tinha fim. A bulha era tremenda o cheiro poderoso e o calor inda mais.
Macunaíma dava um safanão na
rede atirando Ci longe. Ela acordava feito fúria e crescia pra cima dele.
Brincavam assim. E agora despertados inteiramente pelo gozo inventavam artes
novas de brincar.
Nem bem seis meses passaram
e a Mãe do Mato pariu um filho encarnado. Isso, vieram famosas mulatas da Baía,
do Recife, do Rio Grande do Norte e da Paraíba, e deram pra Mãe do Mato um
laçarote rubro cor de mal, porque agora ela era mestra do cordão encarnado em
todos os Pastoris de Natal. Depois foram-se embora com prazer e alegria,
bailando que mais bailando, seguidas de futebóleres águias pequenos xodós
seresteiros, toda essa rapaziada dorê. Macunaíma ficou de repouso o mês de
preceito porém se recusou a jejuar. O pecurrucho tinha cabeça chata e Macunaíma
inda a achatava mais batendo nela todos os dias e falando pro guri:
- Meu Filho, cresce depressa
pra você ir pra São Paulo ganhar muito dinheiro.
Todas as icamiabas queriam
bem o menino encarnado e no primeiro banho dele puseram todas as joias das
tribos pra que o pequeno fosse rico sempre. Mandaram buscar na Bolívia uma
tesoura e enfiaram ela aberta debaixo do cabeceiro porque sinão Tutu Marambá
vinha, chupava o umbigo do piá e o dedão do pé de Ci. Tutu Marambá veio, topou
com a tesoura e se enganou: chupou o olho dela e foi-se embora satisfeito.
Todos agora só matutavam no pecurrucho. Mandaram buscar pra ele em São Paulo os
famosos sapatinhos de lã tricotados por dona Ana Francisca de Almeida Leite
Morais e em Pernambuco as rendas “Rosa dos Alpes”, “Flor de Guabiroba” e “Pr ti
padeço” tecidas pelas mãos de dona Joaquina Leitão mais conhecida pelo nome de
Quinquina Cacunda. Filtravam o milhor tamarindo das Irmãs Louro Vieira, de
Óbidos, pro menino engolir no refresco o remedinho pra lombriga. Vida feliz,
era bom!.... Mas uma feita Jucurutu pousou na maloca do Imperador e soltou o
regougo agourento. Macunaíma tremeu assustado espantou os mosquitos e caiu no
pajuari por demais de ver si espantava o medo também. Bebeu e dormiu noite
inteira. Então chegou a Cobra Preta e tanto que chupou o único peito vivo de Ci
que não deixou nem o apojo. E como Jiguê não conseguira moçar nenhuma das
icamiabas o curumim sem ama chupou o peito da mãe no outro dia, chupou mais, deu
um suspiro envenenado e morreu.
Botaram o anjinho numa
igaçaba esculpida com forma de jabuti e pros boitatás não comerem os olhos do
morto o enterraram mesmo no centro da taba com muitos cantos muita dança e
muito pajuari.
Terminada a função a
companheira de Macunaíma, toda enfeitada ainda, tirou do colar uma muiraquitã
famosa, deu-a pro companheiro e subiu pro céu por um cipó. É lá que Ci vive
agora nos trinques passeando, liberta das formigas, toda enfeitada ainda, toda enfeitada
de luz, virada numa estrela. É a Beta do Centauro.
No outro dia quando
Macunaíma foi visitar o túmulo do filho viu que nascera do corpo uma plantinha.
Trataram dela com muito cuidado e foi o guaraná. Com as frutinhas piladas dessa
planta é que a gente cura muita doença e se refresca durante os calorões de
Vei, a Sol.]
(ANDRADE,Mário. Macunaíma, 2ª ed., Rio de Janeiro, Nova Fronteira,2013. Cap.3 Pág.33
à35)
Século XX, o Brasil se
moderniza. Mário de Andrade usou e abusou com criatividade, encanto, leveza,
movimento, cor, ao escrever o livro “Macunaíma”. Revolucionou a Arte Moderna.
Quiçá, chocou com a linguagem até então, escrita de vanguarda! Frases como: “Macunaíma mal esboçava de tão chumbado”. E
procurando um macio nos cabelos da companheira adormecia feliz.” Não se preocupou
com pontuação, usando termos de linguagem barroca do folclore popular, se
opondo a linguagem clássica : “É lá que
Ci vive agora nos trinques passeando, liberta das formigas, toda enfeitada
ainda, toda enfeitada de luz, virada numa estrela. É a Beta do Centauro”. A
Estrela Beta do Centauro, vê-se no céu
do Amazonas. Mário, com sua genialidade, mostrou o Brasil que não vemos, de
Norte ao Sul, de Leste a Oeste. Índio,
Negro e Branco todos juntos numa mesma estória. No ano que foi escrito o livro
em 1927 publicado em 1928, passaram-se 6 anos da semana da Arte Moderna, mesmo assim as
mudanças continuavam a acontecer. Os
padrões estéticos, sociais e culturais da época, baseavam-se nos padrões
tradicionais europeus. Rompeu-se, chocando de certa forma, a mídia
conservadora, referindo-se como: “subversores da arte”, Espíritos
Cretinos e débeis” ou “futuristas endiabrados”.
Foi exceção na época o
Jornal Correio Paulistano apoiando os lançamentos do movimento. Uma linguagem
brasileiríssima, expressada com entusiasmo, onde Mário
inovou o gênero: rapsódia que
é uma palavra vindo do grego e designa
obras tais como a Ilíada e a Odisseia de Homero. Para os gregos, uma rapsódia é
uma obra literária que condensa todas as tradições orais e folclóricas de um
povo. Além disso, na música, uma rapsódia utiliza contos tradicionais ou
populares de certo povo em temas de composição improvisada.
Mario de Andrade, assim como
outros modernistas, buscam resgatar a imagem do Brasil, sendo, portanto, uma
obra com caráter nacionalista. Porém, esse nacionalismo não é dado da mesma
forma que o nacionalismo dos escritores do Romantismo, que usavam a figura
idealizada do índio. Em Macunaíma o nacionalismo tem um caráter crítico e a
figura do índio aparece causando uma reflexão sobre o que é ser brasileiro.
“...Então a moça abocanhou o
dedão do pé dele e engoliu.” (ANDRADE,Mário. Macunaíma, 2ª ed., Rio de Janeiro,
Nova Fronteira,2013. Cap.1 Pág.16)
O movimento antropofágico que teve sua
liderança em Oswald de Andrade, Tarsila do Amaral, Mário de Andrade, Raul Boop,
dentre outros. Foi considerado um dos movimentos mais importantes da história
da arte nacional, marcando a vida
artística brasileira, tanto no modo de pensar como também no de se expressar,
como disse Oswald de Andrade, por fim ao falar difícil sem nada dizer.
O movimento antropofágico, teve
duas vertentes: uma que se voltou a produção nacional, ou seja, a cultura
indígena, liberação dos instintos e valorização da inocência. De outra sorte,
não havia um xenofobismo, no sentido de rejeitar tudo que era oriundo da Europa
ou de outros países.
Este movimento
“vanguardista” foi uma pretensão de “digerir aquilo que vinha de fora, melhor,
queria devorar o que vinha através dos rituais europeus, digerindo e
reconstruindo, superando a sociedade patriarcal, capitalista da época.”
Foi um movimento artístico,
tecendo críticas sobre a então ordem social e o capitalismo. Um desdobramento
do “Primitivismo Pau-Brasil” e uma “Reação ao “Nacionalismo Verde e Amarelo.”
Os intelectuais por meio de
uma atitude irreverente, satírica; através de sua manifestação artística, pretendem
curar a nação brasileira, de um dos seus maiores males orgânicos: “o
entreguismo à cultura europeia”.
Foi proposto por Oswald de
Andrade, uma orientação estética e ideológica, trazendo a emancipação quanto à
submissão do Brasil e sua atitude conservadora em relação às artes.
Dessa forma, podemos considerar
que a Semana de Arte Moderna teve uma importância fundamental na revisão dos
valores estéticos e nas discussões intelectuais do Brasil. Apesar do acesso ao
conhecimento e o analfabetismo serem dois grandes entraves desse período, o
evento teve grande importância para que outras manifestações artísticas
surgissem posteriormente. Na década de 1960, por exemplo, o movimento
tropicalista assumiu explicitamente a influência desse rico capítulo da cultura
nacional.
Patricia Jorge Alves
Terapeuta Homeopata
Bibliografia:
NETTO, Adriano Bitarães. Antropofagia Oswaldiana, Um Receituário
estético e Científico. São Paulo: Annablume,2004.
CAMPOS, Haroldo de. Morfologia do Macunaíma. 2ª Edição. São
Paulo: Perspectiva, 2008.
TUFANO, Douglas. Modernismo e Literatura Brasileira (1922-1945).
2ª Edição. São Paulo. Paulus, 2007.
ANDRADE, Mário de. “Macunaíma, O Herói Sem Nenhum Caráter”.
2ª Edição. Rio de Janeiro. Nova Fronteira,2013.
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