Depois de nos libertarmos pelo
pensamento da ação do peso, a fim de nos emanciparmos da servidão que nos liga
à Terra, seguiremos esta com os olhos do espírito e examinaremos ligeiramente a
sua superfície. Tomaremos, depois, uma parcela da substância de que ela é formada
e buscaremos compreender-lhe a constituição; partiremos do átomo, em uma
palavra, e, por degraus enormes, tentaremos escalar as alturas da imensidade, a
fim de obtermos, caso possa ser, uma idéia do Macrocosmo.
“Lançai os
olhos sobre o globo terrestre – dizem os partidários dessa teoria diluviana – e
observai quanto difere o hemisfério sul do setentrional: neste último, só
vereis terras; ao contrário, no Sul as águas dominam, e aí estão de alguma
sorte acumuladas. Os elevados planaltos, os cimos das regiões montanhosas, sob
a forma de ilhas, encontram-se aí copiosamente. Além disso, todos os
continentes, as duas Américas, a África, a Índia, as grandes penínsulas
indo-chinesas, terminam em ponta na direção do hemisfério para o qual correram
as águas. Que significaria e que destino teria essa Atlântida, cuja
reminiscência se transmitiu através das idades e foi ilustrada por Platão, se
não a considerarmos um continente por aquela forma submergido?
O que indicam – acrescentam eles –
estas camadas alternadas e superpostas de fósseis marinhos, depois de fósseis
telúricos, depois marinhos, que ainda encontramos debaixo do solo dos nossos
campos, e até sobre nossas montanhas, senão que o Sol alumiou ao nível do mesmo
ponto o oceano e o continente habitado?”
O nosso
pensamento voa livremente, desligado de todos os laços materiais, acima da
superfície terrestre, acima das ilhas de gelo, colossais, que se entrechocam e
enchem os ares de escuma e poeira de neve, acima destes continentes que se
esboroam com toda a vida que encerram nos negros abismos dos novos oceanos: só
temos a temer os grandes cataclismos periódicos. Que importa um dilúvio de mais
ou de menos? Isto não poderia perturbar-nos em nossa indagação do absoluto e compreendemos
muito bem Arquimedes, alheio às coisas que o cercavam, impávido, deixando-se
matar pelos antropomorfos, cujo ferro assassino lhe cortou o êxtase científico.
Comecemos, pois, o nosso estudo do
macrocosmo.
A teoria
atômica, como a dos equivalentes químicos, ambas deduzidas de proporções
determinadas e constantes, encontradas nas combinações dos corpos entre si,
induzem-nos a considerar a matéria como sendo um composto de elementos
extremamente sutis, grupados uns com os outros, de diferentes modos: dá-se o
nome de moléculas a estes elementos.
Mas, a análise vai mais longe: estas moléculas, por menores que as possamos
imaginar, compõem-se de aglomerações de outros elementos “indivisíveis”, como o
indica o seu nome; estes elementos da molécula são os átomos.
Se a esta
pergunta: “que é a matéria” se respondesse: “é uma coisa que podemos ver e
tocar, coisa formada de partes elementares, que, consideradas como matéria, não existem absolutamente”, suponho que muitas
pessoas ficariam surpreendidas ouvindo tal definição. E, entretanto, isso é
sustentado por personagens eminentes, tudo o que há de mais eminente, os
partidários da Teoria do átomo
inextensível.
Não sei com segurança se essa idéia
foi discutida pelos antigos filósofos gregos; o certo é que ela existe
simbolicamente expressa nas filosofias indostânicas. Em todo caso, por meados
do século passado, ela foi apresentada pelo padre Boscowich. Sábios como
Ampère, Faraday, Cauchy, etc., e filósofos quais Dugald-Stewar, Vitor Cousin,
Vacherot (Revue des Deux Mondes,
agosto de 1876), etc, constituíram-se campeões convencidos da idéia do átomo
inextensível, que se não deve confundir com a Teoria sustentada por Hume,
Berkeley, Hamilton, Stuart Mill, Coyteux, entre outros, e segundo a qual nada
existe. Górgias, o célebre sofista de Leontinos, havia ensinado a doutrina de
que nada existe, mais de 400 anos
antes da nossa era.
Que seria o átomo então? uma ficção
matemática? Certamente que não, mas os elementos da matéria parecem ser unos e semelhantes para todos os corpos;
os alquimistas, apoiados nessa idéia, procuravam e ainda procuram a
transmutação dos metais. Além disso, podia suceder que, nesse ponto, a força e a matéria se encontrassem e se confundissem; eis um assunto do qual
nos tornaremos a ocupar.
Seja como for, em virtude da grande lei da conservação da matéria, que
Lavoisier definitivamente estabeleceu, apesar de seus movimentos e migrações
perpétuas, o átomo não varia nem se destrói: é indestrutível e invariável,
constituindo apenas um elemento fluídico, cíclico, giratório do fluido
universal de que a matéria é formada (Helmholtz, William Thomson, Tait, etc.).
A energia animal dos átomos, de um
movimento tão rápido que a imaginação não pode fazer uma idéia dele, seria pois
o agente real que fixa a molécula e esta por sua vez não será senão a energia condensada? Simples teoria!... A verdade
é que os físicos estão hoje de acordo, considerando os corpos mais densos como
representando apenas em aparência uma
superfície contínua, como, por exemplo, uma esfera, oca, de prata, cheia de
água e soldada hermeticamente. Colocando sobre uma bigorna esta bola e
batendo-se-lhe com um martelo, a água escapa-se por todos os poros do metal a
cada golpe do martelo e vem aljofrar a sua superfície, segundo experiências dos
acadêmicos de Florença. Outros fatos nos demonstram que a idéia da
impenetrabilidade da matéria dos corpos é absolutamente falsa. Sem falar da
mistura de uma parte de álcool e outra de água, que dá um volume total inferior
aos dois volumes primitivos dos dois líquidos separados – porque pode dar-se
neste caso uma variedade de combinação –, os fatos persistentes de
penetrabilidade produzidos sob a influência da força psíquica – como o anel de vidro e o anel de marfim, que
subitamente aparecem enfiados um no outro quais elos de uma corrente, não guardando
vestígio de solução de continuidade – estes fatos demonstram, não somente a
penetrabilidade dos corpos, mas também a sua desmolecularização e reconstituição possíveis ad integrum, sob a influência de certas forças das quais a ciência
futura vai fazer um dos objetos principais de observação.
O volume das moléculas pode ser,
quando muito, avaliado por milionésimos de milímetros, e mesmo levando em conta
o espaço relativamente considerável que as separa, é ainda por trilhões,
quintilhões, sextilhões que devemos contá-las em um milímetro cúbico.
Elas estão em um estado contínuo de
agitação, de projeção, de choques violentos, de atração, de repulsões
enérgicas, das quais é sem dúvida um pálido reflexo o movimento browniano das
partículas microscópicas. Fazemos uma idéia do seu tremendo turbilhão, quando
vemos que no hidrogênio, em pressão e temperatura ordinárias, as moléculas
deste gás estão animadas da velocidade mais ou menos de 2.000 metros por
segundo (Joule) e que cada uma sofre de suas vizinhas cerca de 17 bilhões de
choques no mesmo espaço de tempo (Clausius, Maxwell, Boltzmann). “É o bombardeio
operado por essa multidão de pequenos projéteis contra a parede envolvente, que
constitui a tensão dos gases”, diz M. E. Jouffret em notável trabalho, onde
encontramos, a respeito da reconstituição da matéria, numerosas exposições
desenvolvidas e claras, sabiamente estudadas (Introduction à l’étude de l’Énergie).
Cada molécula, formada por uma
multidão de átomos-turbilhões, é hoje
considerada por alguns sábios do modo pelo qual ela o foi antigamente por
iniciados da Índia e do Egito, isto é, como um sistema planetário “com todas as
complicações de movimento e de vida”, dirigida esta, segundo os pandits da Índia atual, por
inteligências elementares inferiores (élémentals).
Os corpos, que são aglomerações de moléculas, seriam assim os análogos das
vias-lácteas e das nebulosas resolúveis.
Em resumo, tomando uma partícula
microscópica de matéria qualquer, se a dividirmos em pensamento muitos milhares
de vezes, chegaremos a obter uma molécula que só seria percebida por meio de
nossos instrumentos mais poderosos, se o poder de aumento dos mais fortes
microscópios crescesse cerca de mil vezes. E esta molécula é por sua vez uma
aglomeração de átomos, que podemos considerar como turbilhões, círculos de
energia, produzindo, por movimentos
variados, as aparências da matéria, tal como a percebemos. Uma parcela de
dinamite, onde se acumulasse enorme quantidade de energia mecânica, poderia representar uma imagem grosseira da
molécula considerada segundo as mais sábias teorias, comparando a energia mecânica da dinamite à energia condensada na matéria, e os gases,
condensados indiretamente pelas manipulações químicas na dinamite, ao Éter arranjado sob a forma de átomos na
molécula. A matéria não passaria, pois, de uma aparência da energia.
Em presença desta análise da matéria
e dos resultados a que ela conduz, não estaríamos autorizados a admitir, com
Hume, Berkeley, Hamilton, Stuart Mill, Coyteux, etc., que nada existe
realmente? Sim, se só houvesse matéria e energia (força) no mundo, porque a
própria energia, assim como veremos mais adiante, tende, não a desaparecer, mas
a repousar “no sétimo dia”, e o dinâmico tende a tornar-se puramente potencial.
Em outras palavras, o Universo tende ao repouso absoluto.
Precisamos,
pois, por meio das luzes da ciência moderna, tratar de esclarecer-nos sobre os
símbolos hieroglíficos da ciência antiga, os quais nos foram conservados. Por
que razão todos os antigos escritores sagrados – pagãos, judeus-cristãos, etc.
– empregaram tanto cuidado e unanimidade em repetir que “Deus fez o homem à sua
imagem”, ou que “o homem é um microcosmo” – o que, sob o ponto de vista
hermético, significa exatamente a mesma coisa? É que a maior parte desses
escritores, versados em uma ciência que, sem dúvida, os homens vulgares ainda
não merecem conhecer, haviam surpreendido a analogia de composição do homem e
do Universo; haviam aprendido experimentalmente que os elementos da “tétrade
sagrada” se encontram no homem. Eles não tinham esperado F. Bacon para inventar
o método experimental, mas não divulgavam a todo mundo os segredos que
arrancavam à Natureza: sagrado para
eles, significava aquilo que o vulgo não devia saber; como, porém, não
quisessem que ficassem perdidas as suas descobertas, assinalaram-nas em
expressões obscuras, velaram-nas sob figuras simbólicas que servissem de guia à
memória de seus discípulos, ou provocassem a atenção do observador não vulgar e
bom, em cuja inteligência eles devessem reviver um dia.
Não, para
compreender-se a essência da vida não é inútil fazer-se o exame comparado do
Universo e do homem, do macrocosmo e do microcosmo.
E depois, só
podemos ter concepções claras das coisas elevando nossa alma acima das
operações ordinárias do pensamento, de onde nascem, quase sempre, os preconceitos,
as idéias errôneas, as ilusões a respeito do que nos cerca. É mister
libertarmos, embora momentaneamente, o nosso espírito do quadro estreito da
vida cotidiana, a cujas exíguas dimensões ele tende a amoldar-se. A concepção
da natureza do homem é daquelas.
Que nos habituemos a considerar tudo em relação com o espaço e o tempo, com a imensidade e
a eternidade. Quão minúsculos nos
apareceriam grandes acontecimentos e altas situações, se os sujeitássemos ao
cálculo desta regra de proporção? Mas, é esta uma operação que não está ao
alcance de toda gente; non licet omnibus...
Outra condição que importa também não
desprezar é a de curar-se o homem desse orgulho que acompanha inevitavelmente uma
má educação científica e uma instrução especializada, incompleta, como são tão
freqüentes em nossos dias. Pessoas muito esclarecidas em um pontinho especial
dos conhecimentos humanos julgam poder decidir arbitrariamente sobre todas as
coisas e repelem sistematicamente toda novidade que lhe choque as idéias, quase
sempre por este único motivo – que em geral não confessam – que se aquilo fosse verdade, elas não podiam
ignorar! Por minha parte, encontrei freqüentemente esse gênero de basófia
entre homens cuja instrução e estudos deveriam preservá-los dessa deplorável
enfermidade moral, se não tivessem sido especialistas,
escravos da sua especialidade. É sinal de inferioridade relativa uma pessoa
julgar-se superior!
Enfim, o número de inteligências que
sofrem de lacunas é maior do que se
julga geralmente. Do mesmo modo que determinados indivíduos são totalmente
refratários ao estudo da música, das matemáticas, etc., a outros muitos estão
interditas certas investigações do pensamento. Uns, que se distinguiram nesta
ou naquela classe de ocupações: na medicina ou na mercearia, na literatura ou
na arte de fabricar panos, segundo toda a probabilidade, teriam lastimosamente
falhado se houvessem escolhido – como outros tantos que abarrotam o mundo – uma
carreira situada fora do que chamarei a zona
lúcida, à semelhança da ação dos refletores que, durante a noite,
transmitem a luz a uma zona de feixes luminosos, fora dos quais só há sombra e
incerteza.
Coisas existem que não estão ao
alcance da concepção de certas inteligências: estão fora de sua zona lúcida.
É inútil insistir mais: algum crítico
mal disposto poderia reconhecer-se nestas observações e acusar-me, em
represália, de haver escolhido um assunto fora da minha própria zona. Queiram
os deuses preservar-me de semelhante infelicidade!...
Patricia Jorge Alves
Terapeuta Homeopata